Travessia Casa Garbers -
Rio Taquari - Graciosa
Por: Getúlio Rainer Vogetta
Rota de fuga empreendida como aborto da travessia
da Serra da Farinha Seca...
* * *
Se tudo tivesse corrido bem o título deste breve
relato deveria ser outro: Travessia da Serra da Farinha Seca. Para mim não foi
assim... Segue o relato da minha pernada.
A ideia era fazer em 3 dias (feriado de Páscoa
2015) a travessia da Serra da Farinha Seca. Havia convidado o Tiago Korb com a
Luciana Moro (RS) e eles o Fábio Carminatti (SC). De Curitiba ninguém dos amigos se animou a
ir, então seríamos apenas nós 4 mesmo. O amigo Otávio ofereceu uma irrecusável
carona de Niva até a Fazenda Garbers e
lá fomos nós após o encontro na Rodoviária de Curitiba.
Saímos da Casa de Pedra já eram mais de 8h15.
Subida forte até o alto do Mãe Catira, onde a trilha bifurca - pela direita,
para o Pequeno Polegar, também conhecido como Popoaçu-Mirim.
Dali prá frente começa a pauleira... Trilha bem mais
fechada, despencando encosta abaixo até o fundo do vale, onde há um belo riacho
no qual paramos cerca de 12h15 para um lanche reforçado.
Eu já não vinha muito bem desde a chegada no
alto do MC. O condicionamento físico ruim aliado ao churrasco regado à algumas
cervejas na véspera e... ZICA! O estômago doía, comecei a sentir câimbras nas
pernas e dor de cabeça, cada vez mais fortes. No início dos sintomas não quis
falar nada pro pessoal. Ficava cada vez mais atrás e percebia que eu atrasava
demais o grupo, que já dava sinais de impaciência...
Tentei acompanhar o quanto pude, mas na subida
pro Casfrei a coisa foi enfeiando cada vez mais. Perdemos a
trilha no começo da encosta do Casfrei e tivemos que abrir no facão uns 200m até achar
rastros e fitas novamente. Ali gastei energias que já não tinha mais e era
questão de minutos até botar tudo para fora, por cima ou por baixo. Rsrs!
Quase no cume do Casfrei pedi
pro pessoal me esperar (vinha uns 100m atrás deles na trilha). Estava mal.
Queria comunicar que iria abortar a missão. Não deram muita bola e tocaram. Daí
gritei mesmo de longe que iria abortar a travessia, que não estava bem, etc.
Falamos de longe. Se eu não fosse com eles ainda teriam chance de pernoitar no Tapapuí e
poderiam seguir com o intento de concluir a travessia a tempo de pegar o trem
no domingo... Disse que eu ficaria bem e que não se preocupassem comigo. Melhor
assim. Não queria estragar a travessia deles.
Resolvi que, dali, melhor seria fazer a rota de
fuga pelo Rio Taquari, pelo lado oeste, uma das possibilidades que já havia
vislumbrado no estudo das cartas da região e que havia confirmado com o amigo Cover dias
antes...
Cheguei no fechado cume do Casfrei, onde
permaneci uns 15 minutos admirando um pouco da vista que ainda restava entre as
nuvens, que começavam a fechar o horizonte. Dali passei a descer pela trilha em
direção ao fundo do vale antes do Monte Taquari, com intenção de sair pela
direita, na bifurcação que me levaria até o Rio Taquari.
No fundo do vale percebo que o pessoal perdera
novamente a trilha e abriu um lance de facão pela esquerda. Procuro um pouco e
encontro rastros antigos e, logo à frente, fitas num ramal mais pela direita,
pouco depois encontro uma árvore com 3 fitas amarelas marando o local da
bifurcação entre a trilha principal da travessia naquele ponto e a saída para o
Rio Taquari, que passo a seguir, abrindo trechos no facão, pois estava bem fechada.
Logo caio num pequeno afluente que segue em
direção ao Taquari, que sigo pela margem direita até quase chegar na calha
principal do Taquari, onde encontro uma clareira e monto meu acampamento com a
rede. Emergência gástrica seguida quase que de imediato de outra emergência,
desta vez intestinal e deixo uma boa carga de adubo na serra, mas bem longe do
rio, a qual enterro. Já me arrasto segurando nas árvores! Me sinto desidratado.
Apesar da fraqueza não consigo comer. A sensação
e de que se colocar algo na boca vai virar tudo pelo avesso... Tomo água
(bastante) e preparo uma dose de sal de fruta efervesceste, que desce causando
grande alívio. Um Engov e uma Aspirina completam a medicação. Escurece e
a "mosquitarada" não dá sossego. Mudo de roupa e me recolho para
o interior da rede e mosquiteiro. Antes de dormir, com sinal de celular, ainda
ligo em casa e aviso que não estou muito bem e que estaria retornando. Logo
após, capoto igual a um tronco podre... Rsrs!
Sábado, 9h30 da manhã... Sol alto, acordo de sobressalto. Um
barulho que parece um enxame de abelhas, uma espécie de ronco. Espreito pelo
mosquiteiro e não vejo nada. Boto a cabeça para fora da rede e vejo um bando de
beija-flores em voos rasantes em meio às árvores, pousando e pairando sobre várias
bromélias próximas, onde bebem a água armazenada em suas folhas. Cena bem
interessante e que nunca tinha visto, especialmente pela quantidade de
pássaros.
Mais tarde, consegui comer uns biscoitos de
aveia que levei. Tomei um banho gelado no rio para ver se animava, e nada.
Outro sal de fruta, outro Engov e só umas 2h depois disso é que consegui me
animar (recompor as energias) para levantar acampamento, mas ainda com aquela
sensação ruim no estômago. Comi um pedaço de provolone e quase voltou. O que
salvou o dia foram os sachês de gel energético, que deram uma equilibrada e não
me azedaram o estômago. Com eles me mantive em pé no sábado.
Daí comecei a descer por dentro do Rio Taquari.
Pelas margens era impraticável. Quiçaça muito fechada, daquele tipo mais fininho e
entrelaçada, às vezes espinhenta, quase impossível de abrir no facão e o
terreno muito irregular, cheio de afluentes pequenos e gretas nas margens dos
dois lados. Pelo leito do Rio, apesar do risco de quedas (pedras bem lisas em
vários trechos) a progressão era mais rápida e menos sofrida, mas mesmo assim
alguns tombos e caneladas nas pedras, especialmente no sábado á tarde, pois
ainda estava bem fraco. Para ter uma ideia, andei apenas pouco mais de 700m
neste dia.
Acampei cedo no sábado (estava acabado) em outra
clareira nas margens do Taquari, mais abaixo. Nesta altura faltavam 1,6 Km (em
linha reta) até chegar na Estrada Velha da Graciosa. Mal conseguira comer
durante o dia, passei à base de gel. A sensação era de que se comesse, voltaria
tudo...
À noitinha, depois de descansar um pouco na rede,
bateu uma fome violenta e aí sim, me sentindo melhor, consegui comer. Fiz
aquela janta (polenta cremosa, queijo e calabresa) e mandei tudo pra dentro
(porção dupla). Era 8 ou 80! Ou comia algo substancial e me fortalecia ou
ficava por lá mesmo! Meia hora depois já me sentia melhor e as energias
voltando. Me embalei na rede e capotei. Fui acordado de madrugada por um tamanduá que veio fuçar nas minhas panelas... Deixou elas limpinhas!
Domingão começou
cedo, eu, renovado depois do sono e da janta, aquele café capuccino com
salame e queijo e bora! Não antes de pegar uma chuvinha que caiu bem na hora em
que estava desarmando acampamento... Já que estava molhado mesmo, lá fui eu e
me meti dentro do rio. Até nadei em uns dois trechos mais fundos, empurrando a
mochila. Dois trechos mais íngremes e "encachoeirados", adiante,
impossíveis de vencer por dentro do rio ou nas margens me obrigaram a contornar
saindo do rio. Isso significou quase 2h de luta com a quiçaça braba
para andar pouco mais de 300m no total.
Pausas apenas para comer algo e pau. Às 16h,
depois de andar praticamente 1,5 Km dentro do Rio Taquari naquele dia, chego ás
margens da Graciosa e estou preso! Dou de cara num sítio, com uma enorme cerca
de tela e arame farpado que não tinha como pular! Vou seguindo a cerca e acho
uma casa (cheia de cachorros) e sem ninguém. Um portão de madeira, de uns 3
metros de altura era a única saída dali. Estava trancado e para subir nele era
difícil, não havia ripas ou pontos de apoio para por o pé e subir nele para
pular do outro lado. Só um pequeno trinco e uma corrente cadeado. Subi
nela, pendurei a mochila no alto do portão pelas alças e me alcei para cima.
Quase fiquei entalado com uma perna numa das frestas... Nisso, o ônibus
turístico da Graciosa passa, bem na minha frente! Bom, pensei, ainda tem o
outro (que passaria por volta de 17h, mas a cerca de 2,5 Km de distância.
Consegui me desvencilhar do portão e sair na
estrada. Pau! Toquei andando rápido pela estrada, parando numas moitas logo
depois da ponte do Rio Taquari e troquei de roupa. No estado que eu estava não
me deixariam nem entrar no ônibus. Passo a caminhar pela Graciosa velha,
sentido Graciosa Nova, para chegar no trevo até às 17h. Sol rachando mamona e
são 16h55, estou quase chegando, passando pelo arco de pedra e, nisso, o ônibus
Morretes-Curitiba via Graciosa passa (eu ainda do outro lado da pista, a uns
50m). Fiz sinal e nada, o motorista nem olhou. Passa reto e vaza.
Beleza, já estou ferrado mesmo, agora ferrado e
meio... Vamos tentar uma carona então. Difícil, mas ...
Sigo caminhando, agora pela Graciosa Nova,
sentido BR-116 - posto da Polícia Rodoviária, que está a cerca de 2,5 Km do
trevo Graciosa Nova x Velha. Faço sinal, especialmente para as caminhonetes,
pois com aquela mochila suja e molhada dificilmente alguém me
deixaria entrar no carro. Nada. Todos passam voando, se pudessem passavam até
por cima de mim no acostamento...
Paro numa bodega na beira da estrada e compro
uma cerveja, Skol por sinal (a única marca disponível) e que nunca
desceu tão redonda... O tiozinho me confirma que o ônibus que vem de Terra Boa
(via BR-116) passa cerca de 18h-18h10 no trevo da BR com a entrada da Graciosa.
Estou a 1,5 Km deste ponto e são 17h25, dá tempo, então me despeço e sigo em
marcha acelerada. Desisto de tentar carona para não perder mais tempo.
Chegando perto do posto da Polícia Rodoviária
aquela fila de carros. Os guardas haviam parado um grupo de motoqueiros e a
pista estava fechada por alguns momentos. Eram 17h50, faltava pouco para o ônibus
passar e eu ainda teria que passar pela “muvuca” do posto policial, atravessar
a BR e me posicionar no ponto, na beira da rodovia para conseguir ser visto
pelo ônibus.
Nisso a fila de carros começa a andar e começo a
ouvir um burburinho logo atrás de mim, logo umas buzinadas e vejo um rosto
familiar... Nossos amigos Evelyn e Papael no "papamóvel" Celta me reconhecem e
gritam "esse é dos nossos - pare aí que você me deve um mate!!!" e
foram encostando o carro logo na frente do posto policial. Adeus ônibus. Os
dois vinham do Marumby, onde estavam desde sexta e me contam que nos
esperavam ansiosos para o mate que eu havia prometido para o domingo, quando
chegássemos da travessia, que sabiam que estaríamos fazendo... Ambos saltam do
carro para me cumprimentar e me oferecem uma bem vinda carona para
Curitiba.
Não deu desta vez, mas a Farinha Seca está lá,
firme e forte. Os parceiros de trilha já haviam concluído a travessia e
embarcado no trem para Curitiba (recebera mensagem do Tiago momentos antes
enquanto caminhava pela estrada). Os dois lamentam e me cumprimentam novamente.
São velhos e bons companheiros de outras tantas pernadas. Embarcamos para
Curitiba. Os guardas e outros motoristas que olham ficam sem entender nada.
Coisas de montanhistas!
No caminho vou sendo informado das fofocas
quentíssimas do feriado. Planos para outras investidas na Farinha Seca já são
traçados. Erros são avaliados e reavaliados... Assim caminha a vida na serra e
suas cercanias!
Na próxima pagarei o mate pessoal, aguardem!
Um comentário:
Desta vez travessia concluída amigo.
Então trate de preparar um relato completo. kkkkk
Forte abraço
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